segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

HELL'S ANGELS por Hunter S. Thompson



Quando comecei a ler Hell’s Angels (1966), fiquei imaginando que tipo de abordagem encontraria e qual seria a credibilidade do autor para falar de algo tão controverso e polêmico quanto esse assunto. Pois bem, descobri que Hunter S. Thompson tem sim propriedade suficiente para falar sobre os Angels, já que ele passou um período entre eles, participando, com diferentes níveis de intensidade, das pilhagens, bebedeiras, jornadas, brigas e todas as outras atividades que esse clube de motoqueiros realizava Estados Unidos afora na década de 60.

Hunter Thompson é um dos pioneiros do chamado “Jornalismo Gonzo”, uma modalidade de jornalismo caracterizada por uma despreocupação com objetividade, quiçá uma pretensa “neutralidade”. No “Jornalismo Gonzo” o autor das matérias se encontra no meio dos acontecimentos, sendo, portanto, influenciado de maneira muito mais forte pelos eventos que está reportando.

Tendo conhecimento do processo que Hunter Thompson adotou para escrever, descobrimos que Hell’s Angels está muito mais para relato jornalístico do que para Literatura propriamente dita. Porém, o fato de ele restringir-se mais a relatar do que elaborar literatura (ao contrário do Steinbeck, por exemplo, que mesmo andando na rota 66 e conhecendo retirantes e hoovervilles teve uma produção que puxa mais para a Literatura do que para o jornalismo, embora ele fosse jornalista), faz com que o livro se constitua num documento que agrega uma riqueza de material da época e dos próprios Hell’s Angels, usando “recursos jornalísticos”, digamos assim, a seu favor.

Assim, o autor consegue englobar no livro depoimentos de policiais, cidadãos comuns e Angels; discursos de políticos e autoridades acerca desse fenômeno; matérias jornalísticas, manchetes relatando ataques e incidentes envolvendo os motoqueiros etc. Justamente nesse sentido é que Hell’s Angels se torna sólido. Como consta na contracapa da edição da L&PM, Hunter Thompson estava no “olho do furacão”, seus escritos foram feitos no calor da contenda, na tensão do momento.

Através do relato do autor, ficamos conhecendo não somente dados e discursos da época, mas também o estilo de vida dos Hell’s Angels, tudo isso com um prisma de alguém cuja vivência cotidiana é entre esses motoqueiros. Capacetes nazistas, suásticas, jaquetas de couro sem mangas, hogs depenadas e envenenadas e o famoso emblema da caveira alada com capacete são apenas alguns dos símbolos e artefatos que Thompson analisa.

Além disso, o autor, por fazer parte dessa contracultura, e conviver cotidianamente com esses indivíduos, acabou por ser influenciado de tal modo, que nas páginas de Hell’s Angels é possível perceber uma simpatia e uma tentativa de expiar ou ao menos entender as profanações desse grupo. A campanha subjacente que ele move contra a cobertura jornalística e a visão projetada sobre os Angels deixa claro que, embora o caos seja uma constante no itinerário dos motoqueiros, isso foi espetacularizado e tratado sob uma ótica sensacionalista muitas vezes, de modo que o fenômeno Hell’s Angels fosse imiscuído em meio a discursos moralistas, vertentes sociológicas difusas e um jornalismo que buscava mais vendagem do que seriedade.

Os detalhes cotidianos narrados em primeira pessoa dão crédito à obra, mostrando em diversos trechos como essa rebeldia e o abandono de convenções sociais (e de decência em muitos casos) está ligada a todo um contexto de tensão e inadequação que motivaram outros movimentos da contracultura ou as próprias manifestações pelos direitos civis. A sociedade estadunidense, bem como a opinião pública, penaram para se adaptar as investidas dos Angels, tanto em seu aparato militar quanto na auto-consciência de que haviam problemas nesse modelo de sociedade marginalizante e desigual.

O livro causou polêmica pela subversão que representava aquele tema, que pululava nos tablóides, no cinema, na TV e no boca-a-boca. A naturalidade e a passividade que Thompson trata de coisas como bebedeiras, estupros, pilhagens, brigas e espancamentos choca, e deixa de cabelos em pé autoridades e arautos da moral e dos bons costumes, mas que evidenciam que esse gosto pelo proibido contaminou o relato do autor.

O gosto pelo ato de montar uma Harley 74 e acelerar nas auto-estradas, tem um significado especial para os Angels, quase ontológico, é uma evidência de que Thompson foi seduzido pelo estilo de vida dos barbudos motoqueiros, o de não conformar-se, desafiar limites como forma de encarar a monotonia do modo de vida a que se opõe:

Não existe nenhuma forma genuína de explicá-lo [o limite] porque as únicas pessoas que sabem onde ele está são aquelas que o ultrapassam.” (p. 337)


Hell’s Angels
Tradução: Ludimila Hashimoto
352 páginas
Preço Sugerido: R$ 22,00

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