sexta-feira, 14 de outubro de 2011

CULTURA CUSTOM

Customização de motos ganha espaço aliada a tatuagem e grafite

O artista Caju, observando um de seus trabalhos customizadosO artista Caju, observando um de seus trabalhos customizados
 
A Cultura custom (um termo misto para cultura da customização) é toda obra - pintura, estilização, desenho, tatuagem ou grafite - feita sob medida, de maneira artesanal, através de técnicas cujo resultado é autoral. Pode parecer um termo ligado somente à quadros, muros, obras de arte. Mas uma das cultura custom mais conhecidas hoje no mundo - e que tem espaço inclusive no Brasil - é a feita em peças de motos e carros.

Muitos nem imaginam como é o processo artístico dessa customização. Se você assiste ao "American Chopper" - programa norte-americano protagonizado por Paul Teutul Sr. e seus filhos, exibido por aqui pelo canal pago People & Arts - já deve ter ouvido falar nesse trabalho.

Mas segundo um dos pioneiros na customização de motos no Brasil, Fabiano Depercia, mais conhecido como Caju, o que se passa no reality show é bem diferente do que os customizadores vanguardistas fazem: "Minha escola é da linha vintage, mais de época, que tem como base o que se fazia em motos da década de 1940 e 1950. Era uma customização mais artesenal. Eu cultivo essa cultura da 'old school', que não tem um acabamento perfeito como a do 'American Chopper'. Quando o cliente pede isso eu não faço, indico quem faça essa linha de catálogo que a série mostra, 'new school', mais contemporânea".

Caju morou em Nova York, onde adquiriu mais conhecimento e referências sobre este tipo de arte e pode expor suas criações com renomados designers. Sua oficina fica no bairro da Vila Olímpia, em São Paulo, e tem clientes famosos "superexigentes", como o chef Alex Atala, o paisagista Gilberto Elkis e o estilista Ricardo Almeida. Ali, o artista diz que coloca "a mão na graxa e elabora projetos exclusivos com pinturas especiais e peças com design sob medida".
Técnica da vela: a impressão é de que o calor do motor queimou o tanqueTécnica da vela: a impressão é de que o calor do motor queimou o tanque
Até aí tudo certo. Mas quando você adivinharia que essa arte envolve ainda tatuagem em tanque de moto? Ou grafite de um artista sobre o quadro de outra? As ideias se deixam levar pela criatividade: "Essas motos que o Caju me encomenda faço com ele a mão, com pincel, não com aerógrafo. Foi uma loucura no começo, pois nunca imaginei que um dia eu tatuaria num tanque de moto!", diz rindo o tatuador Maurão, que tem o próprio ateliê em São Paulo e trabalha com tatuadores conhecidos do meio, como Maurício Theodoro. "Um dia, o Caju chegou com um tanque nas mãos e me pediu pra fazer um esboço na moto para ver no que ia dar. Aí, desenhei com lápis, mesmo. Curti tanto o resultado que depois testei com pincel, nanquim e tinta e, hoje em dia, posso dizer que faço arte em tanque de moto".

Ficou curioso? Eu também. Por isso, bati um papo com o Caju e seus parceiros de trabalho para entender melhor esse processo que mistura arte e motor:

S: Expliquem melhor essa história de tatuar em moto...
Caju: O Maurão tem uma linha de desenhos, a "Mister Cartoon" [um tatuador americano conhecido por suas famosas caveiras, gângsteres etc.]. Ele faz uma arte "street", mais underground. Sentei com ele e disse que não queria usar aerografia [técnica feita com spray], pois se faz muito mundo a fora, e sugeri de trabalharmos com nanquim. A gente deu o nome nesta técnica de "inked", o mesmo processo de uma tatuagem, mas feito com nanquim.

Maurão: Tô adorando essa técnica que inventamos. Eu desenho na moto e ele finaliza com o verniz para o desenho ficar marcado como uma tatuagem, para sempre. Sempre fiz tela e já fiz shape de skate, mas tatuar num tanque é uma arte diferente de todas.
Sem acarretar problema de dirigibilidade, pneu cross substituiu os comuns para moto modelo CustomSem acarretar problema de dirigibilidade, pneu cross substituiu os comuns para moto modelo Custom
S: Caju, pelo visto, seu trabalho ficou muito mais artístico do que uma simples customização...
C: Meu objetivo é transformar tudo que passa pelas minhas mãos em obras que dialoguem com a personalidade do dono. Na verdade, desejo que as pessoas, quando verem um trabalho meu, identifiquem pelo trabalho em si e não por uma assinatura ou logomarca. Minha filosofia é não seguir uma moda mas cultivar uma cultura, sabe?

S: E quais são suas referências?

C: Olha, Sarah, acredite ou não a maior referência é tudo que eu vejo que me interesse em diversas áreas artísticas. Na culinária, na arquitetura, no paisagismo, nas artes plásticas, reparo em qualquer tatuagem também, enfim... Em tudo, menos na motoclicela. Por exemplo, um cliente queria um capacete que tivesse um formato de brigadeiro (o doce) e a gente fez, no começo eu não queria fazer de jeito nenhum, mas no fim rolou uma aerografia, e fizemos tudo texturizado, como um chocolate granulado, "à la Vik Muniz" total! (risos)

S: Ele também é uma referência então?

Sim, claro. Inclusive eu conheci o Vik Muniz* quando morei em Nova York. Uma de minhas ideias é fazer um tanque artístico cheio de bitucas de cigarros bem inspirado na arte dele ou misturar tinta com condimentos. Imagina um moto estilizada com cristais? (risos) Curto muito também o trampo do Nuno Ramos**.
O brilho das peças cromadas foi retirado com esponja de lavar louça e a pintura estilo Inked finalizou a motoca do próprio CajuO brilho das peças cromadas foi retirado com esponja de lavar louça e a pintura estilo Inked finalizou a motoca do próprio Caju
S: Tem coisa que você não faz?
C: Vem muita gente que, com todo respeito, não tem noção do que é a cultura custom e só porque assiste ao "American Chopper" quer fazer um monte de coisas nada a ver com a minha linha. Outro dia, um cara queria uma moto dégradé, vindo do laranja e chegando no vermelhão, mas eu não queria uma moto feita por mim desse jeito na rua. Indiquei uma pessoa. Como eu disse, o que quero é presevar a cultura da customização.

S: Fala um pouco mais de sua relação com o grafite...
C: Fora o Maurão, meus parceiros de trabalho são o Magoo (artista plástico e ilustrador) e o Markone (grafiteiro e tatuador). No caso do grafite, eu faço o seguinte: pego um tanque de moto e deixo no tanque uma tinta que absorve os pincéis que o artista usa em cima. No caso do grafite, uma cor clara pra ele grafitar. Depois envernizo pra proteger e lacrar o trabalho feito. Peço pra ele grafitar como se fosse um muro, mas em tamanho reduzido, com temas que o cliente me passou.

DA CUSTOMIZAÇÃO PARA O GRAFITE

O artista plástico e ilustrador Magoo, que tem obras expostas em galerias como a Choque Cultural, em São Paulo, trabalha com aerografia automotiva há muito tempo e explica as diferenças entre este trabalho e o do grafite: "Eu faço trabalhos em carros de corrida, motos e capacetes... Minha trajetória é inversa: comecei na customização - faço aerografia há 20 anos - e depois fui pro grafite. O que faço é adaptar meu estilo pro tamanho e pra técnica. As peças de aerografia automotiva que tenho expostas na Choque Cultural, por exemplo, são telas de ferro ou desenhos em chapas de metal e peças de carro. Ao contrário da maioria dos artistas que está na Choque Cultural. Eles fazem paredes e telas mais robustas, com spray, em escala maior. E, por conta de minha especialização original, sempre fui fiel à "pintura custom" em motos e carros. Minhas telas têm pigmento especial para carro, são polidas com máquinas especiais de tratamento e acabamento de pintura automotiva.
Detalhe evidencia mistura das técnicas trabalhadas Detalhe evidencia mistura das técnicas trabalhadas
S: Não é muito comum isso de passar para a tela o que você tem da cultura de aerografia em carros, né, Magoo?
M: Não, hoje em dia me mantenho fiel ao lance das pinturas de carro, mesmo se estou expondo em galeria. É minha obra de arte.

No entanto, o grafiteiro Markone prefere apenas grafitar as paredes das oficinas de Caju e de seus clientes e explica a diferença: "Costumo fazer desenho em grande escala, grafito na rua, um trabalho mais minuncioso como aerografar no tanque, eu já fiz mas hoje eu grafito os muros, customizo ambientes. Customização é você se adaptar ao suporte em que está pintando, seja um tanque, um tênis, uma pele ou uma parede... Você sempre cria de acordo com o suporte. O Magoo não faz o trabalho com spray - grafite tradicional que eu faço - ele curte fazer trabalho em peças, eu prefiro parede e assim a gente vai unindo o que cada um faz de melhor na sua linha de arte".

S: Pra finalizar, Caju, queria ter uma ideia de quanto tempo vocês demoram pra customizar uma moto...
Ah! Depende. Tem a customização simples, que seria uma pintura apenas. Uma média em que trocamos uma roda, criamos um desenho e pintamos; e uma grande. Neste caso, eu estilizo tudo. Desde o chassi, o quadro, passando pelo tanque... e aí dura até 4 ou 5 meses. São muitos detalhes e tem o lance da segurança, né? A moto tem de estar artisticamente incrível, com uma pintura estilosa, mas tecnicamente também. A motorização tem de estar perfeita, e dessa parte eu cuido na oficina também.

Fica aqui a dica pra quem tem motos ou apenas curte este tipo de arte. Você pode encontrar os trabalhos dos artistas entrevistados acima nos seguintes links: http://www.ffmotorcycles.com.br/,
www.myspace.com/markone78, www.fotolog.com/magoo_mcfly e www.fotolog.com/mauro13

Por Adriana Guivo:

(*) Vik Muniz é ao mesmo tempo escultor, desenhista, pintor e fotógrafo. Da mesma forma que Nuno, acumula um sem fim de objetos – sejam eles descartados ou desejados pela sociedade de consumo – organizados de maneira a construírem uma imagem figurativa em papel fotográfico. Retrata diversos ícones de reconhecimento instântaneo, das artes plásticas ou de celebridades, numa linguagem bem contemporânea e de fácil apreciação. Constrói, então, Elizabeth Taylor com pedras preciosas e a Alice, de Lewis Carroll, com minúsculos brinquedinhos plásticos; a Medusa feita de molho de tomate, crianças cortadoras de cana feitas de açúcar e personagens do samba construídos com restos de um desfile de Carnaval. Há críticos que questionam a validade de sua obra, por ser uma fórmula técnica, enquanto outros, ao contrário, avaliam a ironia de cada imagem como fator mais relevante de sua produção.

(**) Nuno Ramos, artista da geração 1980, evidencia o orgânico dos materiais que utiliza em suas imensas telas abstratas. Centenas de elementos, colados sobre a superfície da lona, desafiam a lei da gravidade e parecem sempre prontos a despencar diante de nossos olhos. Há um exagero nessa superposição, seja pelos quilos de tinta ou pela dimensão dos objetos inseridos: suas obras pesam, seja fisicamente ou como sensação. Ainda assim elas se mantêm em equílibrio, também pelas questões cromáticas da composição.
 
 

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