segunda-feira, 16 de julho de 2012

NOSSO COMPLEXO MUNDO



O motociclista tenta, em partes, ser criança outra vez. Tudo o que ele quer em seu íntimo mais profundo é ser novamente aquele garoto que teima em desafiar os riscos da vida de forma graciosa, ágil e inocente. Enquanto sentados em suas máquinas, pilotando e praticando o mais nobre estilo estradeiro, os filhos da estrada chegam a esquecer daquela velha dor nas costas ou o quanto incomoda o joelho de cartilagens mais que desgastadas. Em cima de suas motos eles tentam retornar aos primeiros anos de suas vidas e, na maioria das vezes, após uns poucos quilômetros rodados, conseguem! É aí que o sorriso estampado no rosto denuncia que dentro do capacete encontra-se não um cara durão, mas uma criança feliz enquanto curte o seu brinquedo predileto e aproveita a vida como bem quer.


O motociclista também tenta, a todo instante, imitar os pássaros. Eles voam baixo, bem perto do asfalto quente, e, mesmo batendo as suas asas pertinho do chão, têm o rosto lambido pelo vento que sopra na estrada. Em seus muitos “voos” eles almejam ir cada vez mais longe, cada vez mais alto. Tal quais os pássaros que rasgam o céu, os motociclistas voam às vezes em grandes bandos, às vezes sozinhos e, independentemente disso, sempre despertam em alguns determinada quota de interesse juntamente com um sentimento indefinido que seria algo inserido pelas mãos dos mais elevados anjos entre a “inveja boa” e a profunda admiração.

O motociclista imita, inconscientemente, os viajantes antigos, aqueles que cortavam países inteiros montados em seus cavalos quando ainda não existiam rodovias pavimentadas, na verdade quando nem havia estradas. Os moto-viajantes desfrutam um pouco de tudo o que encontram no decorrer do caminho: o ar daquela pequena cidade por onde passam; as conversas dos moradores durante as suas paradas; um pouco dos costumes dos longínquos lugares onde pernoitam. Ao deixarem seus lares para pegarem a estrada sabe-se que muitos são os riscos e fatores que podem fazer com que eles não voltem, mas mesmo assim eles vão, e, priorizando o prazer da sua viagem, não desistem de sua jornada.

Em sua roupa de couro, vestindo luvas, botas e capacete, o motociclista imita, sem querer, os guerreiros de antigamente. Saindo do conforto de seus lares vestidos dessa forma eles se imaginam preparados para enfrentarem a árdua batalha travada todos os dias sobre o asfalto, na cidade e nas estradas, lutando contra os inúmeros riscos existentes nas pistas.

O motociclista é alguém livre por natureza e que defende a sua liberdade com unhas e dentes, socos e pontapés. É alguém que, ainda que somente de tempos em tempos, quer e precisa se libertar das muitas amarras que a sociedade moderna nos impõe, dos muitos limites da vida cotidiana.

Apesar de muitas vezes parecermos durões e invencíveis, nós não somos feitos de ferro nem de aço. Somos de carne e osso, suor e lágrimas, desejos e sentimentos, raivas e alegrias, vento e poeira, estrada e amizades.

Nossas motos e triciclos não são veículos celestiais e nós sabemos bem disso. Porém, ainda assim a maioria de nós trata suas máquinas, sejam quais forem os seus preços, não como simples bens materiais, mas como as coisas mais belas e raras do mundo, como se fossem verdadeiras joias motorizadas. A moto para nós, principalmente aquela que fica dentro de nossa garagem, deixa de ser um simples transporte quando se transforma em uma espécie de elo que nos liga a estrada, aos amigos, a outros lugares e a liberdade sem fronteiras.

Os nossos trajes não são armaduras, apesar de em alguns casos parecerem. Muitas dessas vestimentas, na verdade, não dispõem de proteção alguma. Para nós as nossas roupas de viagem são como o chapéu daquele que gosta de cavalgar no campo, a bermuda daquele que pega ondas em dias ensolarados ou o jeans daquele que frequenta rodeios nos fins de semana. As roupas que usamos para viajar acabam se tornando partes quase que fundamentais da nossa “diversão”, da prática do nosso hobby. Esse tipo de vestimenta é algo peculiar do nosso estilo de vida. O Brasão que usamos não é só um belo desenho traçado nas linhas da costura de um bordado.

O nosso Brasão é, na verdade, um conjunto de ideais e diretrizes que decidimos obedecer, seguir e defender. É algo que, ainda que sem motivo aparente, decidimos abraçar. Aqueles que usam um Brasão igual ao nosso são parceiros que escolhemos para dividir aquele que seria o nosso “sobrenome” no meio motociclístico. O correto e ideal seria que um Brasão de Moto Clube fosse o sinal de que o motociclismo é “brincadeira” de gente grande, de que é coisa séria, com regras não escritas e com punições bem definidas.

Ser motociclista é entender, ser e vivenciar essas e muitas outras coisas. Ser um de nós é ser o que ninguém, por maior que seja o talento que tenha com as palavras escritas ou faladas, jamais conseguirá explicar em sua plenitude. Só sabe quem é, e jamais conseguirá se ensinar ou justificar.



Texto: Éder Negreiros Barbosa

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