segunda-feira, 15 de agosto de 2011

BAR DE MOTOQUEIRO!





E se Hunter Thompson vivesse em Ponta Negra?



Curto muito bar de motoqueiro. Apesar de, é verdade, nunca ter frequentado um. Vai ver meu fascínio por ver um lugar cheio de motocicletas, rapazes e garotas tatuados com roupas negras de motociclista, tomando cerveja, jogando sinuca e ouvindo rock'n roll, tenha a ver com os filmes que eu vi, com o romantismo a la easy rider já perdido no cinema com a morte do ator Denis Hopper, ou de ver James Dean e Marlon Brando nos filmes clássicos das antigas, ou da necessidade de saber se o clima nesses points é realmente legal. Na verdade, pode ser que tudo não deixe de ser mera babaquice minha, e esse pessoal que curte motociclismo apenas seja uma galera chata, careta, que gosta de fazer moda, mas não tem um milímetro de espírito roqueiro. Vai saber? Uma vez, num boteco de Natal, vi uma cena engraçada, quando um grupo de motoqueiros ameaçou tomar de assalto a pequena rua de bares, perto de onde eu morava, e na verdade os caras sentaram no local (uma turba de quarentões e cinquentões bem comportados), e só pediram refrigerante. Isso mesmo, refrigerante, e quando muito, uma garrafinha de água mineral. Os caras (alguns acompanhados de suas digníssimas na garupa) passaram pelo menos umas duas horas no local sem pedir sequer uma batata frita. Não demorou pro dono do bar ficar puto e, pressagiando o prejuízo em manter aquela corja de barbudos sem consumir, sem a menor cerimônia enfrentou a gangue, ordenando que vazassem geral do recinto, e (pasmem), o grupo saiu comportadamente à francesa, sem dar nem um pio. Como diria o personagem do Leão da Montanha: saída estratégica pela direita!!



Os motociclistas que vi em Natal (uma amiga diz que "motoqueiro" é entregador de pizza) são bem diferentes dos impávidos e temidos Hell Angels dos Estados Unidos das décadas de 60 e 70, que foram eternizados em canções da banda Steppenwolf, como Born to be Wild, ou condenados pela opinião pública como um grupo de bandidos motorizados, assassinos fora da lei e desordeiros, que detonaram com dezenas de facadas e golpes de soco inglês um rapaz negro no trágico concerto dos Rolling Stones, em Altamont, no começo da década de 70, num episódio que a própria banda de Mick Jagger, hoje, faz questão de esquecer. Motociclista do Hell Angels era sinônimo de encrenca, e montados numa Harley Davidson faziam horrores na estrada, assustando motoristas incautos, como um enxame de abelhas a zunir pelo asfalto. Ahhh! A mistura de perigo, testosterona, violência e velocidade do grupo, com suas motocicletas iradas, fez a libido de muita gente e era pretexto garantido para se pegar mulher gostosa e tatuada. Afinal, os brutos também amam!



O escritor e jornalista norte-americano Hunter Thompson, conhecido por inaugurar o chamado jornalismo "gonzo" (Artur Veríssimo da revista Trip, no Brasil, parece ser um fiel seguidor), e um junkie de plantão, foi o responsável por desmistificar a figura dos Hells Angels, numa clássica obra do mesmo nome, que revela um belo trabalho de antropologia jornalística. Hunter conviveu com os caras das motos por vários meses, analisando seus hábitos, participando de suas festas, observando suas orgias (quando rolava uma, ao menos); mas, principalmente, relatando seus dramas, quando esses cavaleiros modernos deixavam estacionadas suas carruagens de metal e voltavam pra realidade nua e crua, pegando no batente, assumindo vidinhas toscas, previsíveis e proletárias, sendo, na sua maioria, trabalhadores braçais da construção civil, estivadores, faxineiros, operários ou mecânicos de automóveis, que torravam as economias com a manutenção de suas máquinas, birita e garotas. Ao se reunirem com suas motos à beira da estrada, na entrada dos bares, unidos em grupo, aquela turba de yankess barbudos e cabeludos pobretões acabavam se tornando uma espécie de maçonaria hardcore do fim do sonho americano, com códigos próprios, formas de andar, vestimentas e linguajar acessível somente aos iniciados. Um hell angel tinha que saber primeiro a linguagem do motor: barulhento, rouco, sujo, como uma música do Motorhead, para depois seguir junto à matilha, em mais um passeio em que o menos que importava era saber onde se ia chegar, mas sim que bastava ter a chave, a ignição, e sua motocicleta, para um asfalto percorrer e para combustível gastar. Os Hell Angels inventaram a poesia motorizada!





Eis que os motociclistas de hoje em dia, que frequentam botecos natalenses como o Gringo's, são na verdade, em sua imensa maioria, senhores distintos de classe média alta, ou que pelo menos economizaram bastante pra comprar uma moto possante como uma Harley ou similares, mas estão longe da figurinha outsider das cenas de cinema ou dos livrinhos de história. Aí é que está a diferença do que foi mito e do que se tornou realidade. Os Hell Angels e diversos grupos de motociclistas no hemisfério norte ainda existem, e são altamente organizados, funcionando com clubes com estatutos próprios e completamente legalizados, mas já vai longe a fama de maus e perigosos. Acabada a flower generation e o pesadelo da família Manson ou da morte de John Lennon, com o fim do sonho, a figura violenta e mítica do motociclista tatuado saiu de cena, para dar espaço ao pai de família, ao bon vivant yuppie ou funcionário público que quer só curtir sua motocicleta, passeando de vez em quando de bar em bar, mas sem formar uma alcatéia definida. O século XXI, com seu mundo virtual veloz e estratosfericamente lisérgico, já dá um barato muito mais alucinante que as drogas e cogumelos atrozes, que faziam a cabeça dos doidões na longínqua década de 70.



Hoje, figuras como Thompson morreriam de tédio, ou achariam muita graça dos saudáveis garotos de hoje, que recém-saídos da lactância juvenil, acabam arriscando um porre federal, entre uma ou outra engolida de Jägermeister, misturada com muita cerveja e destilados baratos. Os motociclistas de hoje não arriscariam mais do que uma latinha de cerveja (e olhe lá), sob pena de serem agarrados numa blitz policial, perdendo a carteira de motorista, uma multa altíssima, além de poderem ir pra cadeia se não pagarem fiança, correndo o risco de terem apreendidas suas amadas motocicletas. É! O mundo perdeu um pouco de seu romantismo, quando era divertido brincar de ser perigoso. Mas, hoje, para nós pobres mortais, contribuintes do IPVA nosso de cada dia, é melhor vir de táxi pro bar, ou somente ver os malabarismos rodoviários de motociclistas na tela da TV, assistindo um remake do Selvagem da Motocicleta. Ao menos, please, toquem Steppenwolf! Born to be willllldddd!!!

por Fernando Silva Alves.







Fonte: www.gringosbar.blogspot.com

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