quinta-feira, 6 de março de 2014

A COMPLEXIDADE DAS CONSTRUÇÕES HUMANAS DA MODERNIDADE E O TRANSITAR DE MOTOCICLETA (PARTE 02)


Outros aspectos
 
Num cenário de acidente tem de se levar em consideração além da inabilidade do piloto e/ou do motorista, a qualidade da via, o ângulo de visão do modelo de carro, posto que quanto maior mais “pontos cegos” serão encontrados. E existem os modelos de utilitários que possuem pouca ou nenhuma visualização através do espelho retrovisor interno. E ainda: todos os condutores de veículos que circulam nas vias estão sujeitos a cometerem erros, ultrapassando semáforos, andando acima da velocidade permitida, não respeitando limitadores eletrônicos ou faixas pintadas no chão.
 
Nenhum de nós que dirige, pilota, pode bater no peito e dizer que nunca cometeu uma infração de trânsito. Mesmo aquelas não computadas. Não é possível que um ser humano ao volante nunca ultrapassasse, mesmo que por distração, um sinal vermelho, nem nunca tenha andado acima da velocidade, não sejamos hipócritas a esse ponto.
 
E tem mais: qual de nós pode afirmar nunca ter se deparado com uma imperfeição ou resíduo na pista, que não estava ali antes, e para desviar forçou uma situação que não necessariamente provocou, mas poderia ter provocado um acidente? Quantas vezes seus freios falharam num dia de chuva em uma rua alagada? Quantos de nós, usuários de veículos de duas rodas, não nos demos conta de que o condutor do veiculo imediatamente a sua frente dormia ao volante ao ponto de sair da faixa?
 
Ainda podem ser considerados os aspectos da personalidade, que vou me eximir de discuti-los aqui por pura falta de conhecimento. Mas no momento podemos apenas concluir que há um conjunto de falhas que acontecem combinados ou não, mas que contribuem para a construção da complexidade dos elementos do trânsito.
 
As motocicletas
 
As motos no Brasil são vendidas como sendo a ultima maravilha da tecnologia. Só que não são. A concepção tecnológica dos motores de algumas delas datam de 1984. As de baixa cilindrada ainda possuem componentes obsoletos como carburadores, ineficientes e poluentes, e não podem ser encontradas versões com ABS. Das que possuem a versão com ABS, algumas não podem ser assim consideradas por que falta no sistema algum componente eletrônico de controle. Estudos revelam que 25% do combustível usado sequer chegam a queimar, e apenas 2% do que efetivamente queima, é usado para transportar o piloto no caso da motocicleta. Isso não nos é informado ao comprarmos uma motocicleta.
 
O ABS é só um dos itens que uma motocicleta deveria, obrigatoriamente, possuir para reduzir o espaço de frenagem. Existem projetos com sistema de contrapesos que impedem a motocicleta de tombar para os lados, uma terceira roda que proporciona melhor controle de tração, e sensores de interação entre os veículos e/ou entre os veículos e a via. Estamos longe de ter uma resposta definitiva, tudo o que se conhece ainda deve ser testado.
 
Repensando
 
Podemos discriminar o número e a função de cada sujeito no debate: o Estado que recolhe os impostos, mas não mantém as vias; o fabricante que vende objetos obsoletos desprovidos de tecnologias necessárias; o motorista e os mistérios da sociedade; a lei de Gerson, a falta de cortesia de ambas as partes e outros aspectos da alma; o automóvel e o campo de visão de seu condutor; o piloto, sua habilidade e seu comportamento na via.
 
O Estado deve ser questionado no primeiro momento quanto à aplicação efetiva dos impostos recolhidos, a manutenção das vias, quanto à insistência em usar tecnologia ultrapassada como os marcadores de faixa que também podem causar acidente, sinalização, manutenção, fiscalização e iluminação deficientes ou inexistentes. As montadoras devem ser questionadas quanto à qualidade de seus produtos, se o veículo aqui comercializado é realmente adequado às nossas estradas, ao clima, aos usuários e se as questões custo x benefício e pós-venda podem ser melhorados, aspectos que o Estado também deveria fiscalizar e facilitar. Os condutores por sua vez não devem se eximir de suas responsabilidades, dos cursos de aperfeiçoamento, do uso de equipamentos de proteção pessoal, por mais incômodos que causem.
 
Essas observações são apenas o início de uma discussão necessária. Tenho a impressão que ainda falta muito a ser elucidado quanto ao problema do transito. Precisamos de uma resposta complexa para um aspecto também complexo da sociedade e culpar uma das partes é uma resposta simplista. Precisamos que as partes envolvidas se manifestem e tomem para si as devidas responsabilidades.
 
 
Joel Gomes – acadêmico das ciências sociais, motociclista, colaborador e Vice Presidente do Brokk MC, com a colaboração Rafael Henrique e apoio nos textos de Fabio Magnani, para o blog Os Sem Fronteiras.

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